Zumbi o Rei Negro e os Quilombos
Embora se costume atribuir,
mais ou menos arbitrariamente, a data de 1630 para o início da existência plena
dos Palmares, pesquisas recentes indicam que desde os primeiros tempos do
século XVII as autoridades, como o governador de Pernambuco Diogo Botelho, se
preocupava com o ajuntamento de negros fugidos na região que se estendia da
zona ao norte do curso inferior do São Francisco, em Alagoas, até às
vizinhanças do cabo de Santo Agostinho, em Pernambuco.
Uma expedição comandada por
Bartolomeu Bezerra havia sido mandada, entre 1602 e 1608, para exterminar o
agrupamento rebelde.
Entretanto, o assombroso
crescimento do quilombo deu-se efetivamente a partir de 1630, quando as guerras
com os holandeses desarticularam momentaneamente a economia e a organização açucareiras,
relaxando a vigilância dos senhores.
Mesmo na Bahia, as fugas em
massa de escravos durante a luta foram comuns, permitindo a formação dos
aldeamentos de Rio Vermelho e Itapicuru, destruídos respectivamente em 1632 e
1636.
Nos Palmares (região assim
denominada pela presença intensa da palmeira pindoba), os negros se espalharam
por uma região acidentada e de difícil acesso, coberta de espessa mata
tropical, o que dificultava as investidos dos brancos.
Estes exigiram das autoridades
alguma ação contra o quilombo desde o tempo do domínio holandês. Os capitães
Rodolfo Baro e Blaer atacaram-no respectivamente em 1644 e 1645, com escassos
resultados.
Por volta dessa época, os
aldeamentos deviam contar com cerca de 6 mil pessoas, número que se multiplicaria
bastante, mais tarde.
A natureza, embora inicialmente
áspera, facilitava a sobrevivência, pela abundância de árvores frutíferas,
animais de caça e rios piscosos que também resolviam a necessidade de água, em
locais de fácil acesso. Derrubada a mata em clareiras, o solo restava fértil e
úmido para o plantio.
Experientes no trabalho
agrícola, os negros mantinham plantações que lhes propiciavam farta
subsistência, chegando a gerar excedentes em pequena escala. Além da
alimentação natural, a mata lhes fornecia também os materiais necessários à
construção de suas choças, normalmente feitas de várias palmeiras, ao fabrico
de seus móveis rústicos e utensílios, bem como argila para sua cerâmica.
Em alguns aldeamentos,
praticavam uma metalurgia rudimentar, e os relatos falam de uma série de
atividades artesanais entre eles. Entre os produtos agrícolas, destacava-se o
milho, do qual muitas lavouras foram encontradas e destruídas pelos brancos, a
mandioca, o feijão e a batata-doce. Banana e cana-de-açúcar também eram
cultivadas, para o fabrico de rapadura e aguardente.
A importância das plantações
palmarinas pode ser avaliada pelo fato de que o próprio Rei D. Pedro II
(1683-1706), em despacho referente a uma das expedições que deviam atacar o
reduto, recomendava que a data desta coincidisse com a época de colheita dos
negros, para permitir o abastecimento da tropa.
As aldeias que compunham o
quilombo eram chamadas mocambos, ajuntamentos de casas primitivas cobertas de
folhas de palmeira, protegidos por paliçadas duplas de madeira.
Espalhados por uma área de
cerca de sessenta léguas (por volta de 1675), eles chegaram a abrigar uns 20
mil habitantes, segundo Jácome Bezerra, em 1671, ou 30 mil, segundo Brito
Freire. Essa população era bastante heterogênea. Entre os negros,
encontravam-se elementos das mais variadas nações africanas, com predomínio de
originários da Costa da Guiné, mas no quilombo havia também mestiços
brasileiros e indígenas.
No mocambo do Engana-Colomim,
quase só havia índios, vivendo e lutando ao lado dos negros em uma fraternidade
racial nascida do conflito comum com o branco.
Nos rituais religiosos e nos
hábitos culturais (sobre os quais existem poucos dados), isto interferia, na
medida em que tudo ganhava um caráter sincrético. Não foi possível determinar o
grau de predominância de alguma das culturas da costa guineana nos hábitos
palmarinos, mas sabe-se que estas eram bastante misturadas com o catolicismo
popular, como nos futuros "Candomblés" e "Umbandas".
No mocambo do Macaco, existia
uma capela com imagens de divindades católicas e rezavam-se orações cristãs,
chegando até a se celebrarem casamentos. As uniões conjugais, por sua vez,
também não tinham regras fixas, encontrando-se tanto a monogamia quanto, como
no caso do rei Ganga-Zumba, com suas três esposas, a poligamia.
Os portugueses, na tentativa de
descaracterizar a organização social palmarina, pouco anotaram sobre seus
padrões e normas éticas, mas sabe-se que, seguindo tradições africanas, "o
roubo e o assassínio eram igualmente punidos com a morte".
Quanto aos negros que, no caso
de uma incursão palmarina contra alguma fazenda das vizinhanças, se recusassem
a unir-se aos fugitivos, eram feitos escravos até que concordassem em libertar
mais algum cativo. É importante notar que as expedições contra as senzalas, que
aterrorizavam os senhores, eram uma prática não muito comum depois que o
quilombo atingiu suas dimensões máximas: os senhores das redondezas acabavam
por entrar em acordo com os quilombolas, para uma convivência pacífica.
A "colaboração" de
brancos com os rebeldes de Palmares foi muito freqüente. Os seus excedentes
agrícolas interessavam aos lavradores e mascates, que os trocavam por armas e
utensílios.
Por outro lado, para se
prevenir de um ataque, alguns senhores pagavam uma espécie de tributo aos
mocambos, práticos veementemente condenados pelas autoridades, que também
puniam o comércio. Domingos Jorge Velho denunciou o Desembargador Cristóvão de
Burgos, proprietário dos arredores palmarinos, como "colono dos
negros", impedindo-o de entrar novamente na posse de suas terras após o
término da guerra contra aqueles.
Essa "colaboração"
prendia-se, como a trégua que seria assinada em determinada ocasião entre
Ganga-Zumba e o governo de Pernambuco, à realidade efetiva do poder que os
negros conseguiram na região. Embora não tivessem objetivos diretamente
políticos, e pretendessem apenas a liberdade e o bem-estar, os fugitivos
concentrados em Palmares representavam por isso mesmo um elemento profundamente
subversivo da ordem colonial, a ser incessantemente combatido pelos senhores e
autoridades.
E por isso mesmo, na medida em
que adquiriam mais forças, podiam impor politicamente, através de negociações,
alguns de seus objetivos.
Da mesma forma, organizaram um
verdadeiro Estado em moldes africanos, em que os chefes dos mocambos,
organizados na forma de comunidade tribal, elegiam o rei, baseados em critérios
como coragem, força e capacidade de mando. O primeiro rei foi Ganga-Zumba,
substituído depois de morto por seu sobrinho Zumbi, não por um critério de
hereditariedade, mas pela liderança efetiva que este exercia, e que chegou a
empanar a de Ganga-Zumba nos últimos anos de sua vida.
Entretanto, a existência do
Estado palmarino era absolutamente incompatível com a ordem lusitana e branca;
ele devia ser incontinenti destruído.
As guerras dos
Palmares_________________________________________________
As guerras dos Palmares
evidenciaram a coragem e o engenho que o amor à liberdade incutiu nos negros
rebeldes, sua capacidade de resistência aos ataques brancos, permitindo-lhes
manter-se por mais de 65 anos, manifestou-se também no fato de que o quilombo foi
o único a ter fortificações regulares, cuja eficácia causava espanto ao
inimigo, ao mesmo tempo em que os negros se valiam também (e principalmente) da
guerra de movimento, em um terreno por eles bem conhecido e que multiplicava as
agruras dos atacantes.
Já nos referimos acima aos
ataques levados a efeito pelos holandeses, sem sucessos significativos; os
negros, advertidos da expedição Blaer-Rejmbach (1645), simplesmente se
retiraram para o mato, abandonando a maior parte de seus mocambos. A expedição
de Baro (1644) também não passou de uma "escaramuça".
Depois da expulsão dos batavos,
em 1654, durante muito tempo houve apenas incursões policiais, ou de bandos de
jagunços, que os senhores de engenho enviavam como represália por ataques às
suas senzalas. A primeira "entrada" de grande porte enviado aos
Palmares foi a do mestre-de-campo Zenóbio Accioly de Vasconcelos, em 1667.
Zenóbio atacou pela retaguarda,
subindo o rio Panema e, na serra do Comonati, destruiu um mocambo e fez algum
reconhecimento da região.
Esta entrada fora organizada
pelo governo de Pernambuco, mas as dificuldades financeiras deste, agravadas
pela crise do comércio açucareiro que se iniciava, levaram-no a deixar aos
cuidados das vilas próximas o combate ao reduto.
Estas logo fizeram entre si
acordos de união financeira e militar para a luta, como o tratado entre Alagoas
e Porto Calvo em 1668, ou aquele entre essas duas, Serinhaém e Rio de São
Francisco (hoje Penedo), em 1669.
Tais acordos nunca saíram do
papel, havendo apenas notícias de ataques de pequenos bandos a grupos isolados
de negros, que resultavam em reconduzir uns poucos às senzalas. Essa
providência resultava às vezes em pior prejuízo, pois os escravos recambiados
freqüentemente estimulavam fugas de novos grupos, ou funcionavam como
verdadeiros espiões.
Por isso mesmo, o Governador
Bernardo de Miranda Henriques estabeleceu, em 1669, a regra de que os
negros capturados nos Palmares deveriam ser vendidos em Recife, sob pena de
confisco. Em 1670, o visível crescimento do quilombo e as constantes fugas
faziam crescer a tensão, o que levou o Governador Fernão Coutinho a proibir o
porte de qualquer arma a qualquer negro, mulato, índio, mameluco ou branco
"que exerça qualquer ofício mecânico ou haja exercido", residente nas
vilas em torno da área de negros livres.
As autoridades decidiram-se a
tomar medidas mais enérgicas, organizando entradas de maior porte, que chegavam
a mil homens e mais.
Entre 1671 e 1678, segundo um
documento anônimo existente na Torre do Tombo, houve vinte e cinco expedições
ofensivas, e sabe-se também que os governadores ordenavam a abertura de
caminhos entre a densa mata, para facilitar os avanços brancos. Algumas das
entradas foram organizadas por particulares, como a de Cristóvão Lins,
fazendeiro a quem os palmarinos haviam incendiado os canaviais, em uma ação de
represália, e outras eram empresadas por militares ou chefes de bandos armados,
como a do Capitão André da Rocha em 1671, organizada pelo mestre-de-campo
General Francisco Barreto, herói da guerra holandesa.
Algumas tiveram certo sucesso,
como a de Manuel Lopes, de 1675, que provocou 800 baixas entre os negros, e
outras foram um fracasso, como a de Domingos Gonçalo, de 1672, destroçado e
sofrendo inúmeras deserções.
De qualquer forma, o conjunto
dos ataques não conseguiu reduzir o quilombo, que continuou a crescer, ao mesmo
tempo em que fortaleceu os homens de Ganga-Zumba, seja pelo prestígio crescente
que este possuía entre os negros das senzalas, estimulados para a fuga, seja
porque as entradas derrotadas deixavam aos guerreiros quilombolas muitas armas
de fogo, de difícil obtenção por outros meios.
Em parte, a resistência do
reduto durante tanto tempo se deveu às táticas de guerra empregadas pelos seus
defensores. Os relatos dos brancos, preocupados em exaltar a glória dos chefes
atacantes, para conseguir-lhes títulos e favores, falam sempre das "fugas
desordenadas" dos negros dos mocambos atacados, e de sua incapacidade de
manter batalhas longas.
Entretanto, os mocambos que se
dizia estarem destruídos, como o do Macaco, aparecem inteiros nos relatos
subseqüentes. Na verdade, as retiradas dos palmarinos, no caso de batalhas em
que as armas de fogo do inimigo impossibilitavam a defesa prolongada, obedeciam
a uma estratégia de tipo guerrilheiro, em que os "mocambos" eram
simplesmente mudados de lugar, pela facilidade de reconstrução das toscas casas
de palmeira.
O próprio "Macaco",
que nos últimos tempos da guerra foi uma espécie de quartel-general de Zumbi,
ao que tudo indica mudou pelo menos uma vez de lugar.
Por outro lado, depois que os
brancos se retiravam, os sítios semidestruídos eram novamente ocupados e
reconstruídos pelos rebeldes abrigados na mata, o Macaco teria sido destruído
por Manuel Lopes em 1675, mas estava no mesmo lugar em relato posterior, de
1682.
Da mesma forma, mais tarde,
quando o mocambo do Cucaú, chefiado por Zumbi, foi derrotado, os homens do
chefe guerreiro se estabeleceram na serra do Barriga.
E no ataque final a esse reduto
o seu nome, segundo os brancos, seria o de Macaco, no quadro dessa "guerra
de movimento", as emboscadas dos palmarinos, facilitadas pelo conhecimento
do terreno, infligiam perdas e terror aos inimigos, além de possibilitar a
libertação de outros escravos.
Entretanto, os negros usavam
também, para retardar as tropas contra eles enviadas, várias tipos de
fortificações, aperfeiçoadas com o desenrolar da guerra. As paliçadas duplas
que cercavam os mocambos eram protegidas por troncos, fojos (buracos
dissimulados no fundo dos quais se armavam paus de ponta) e estrepes (lanças de
madeira em riste, escondidas pela vegetação).
Quando os inimigos conseguiam
incendiar as paliçadas, os quilombolas se retiravam, reagrupando-se às vezes
para o contra-ataque algumas centenas de metros depois, como fizeram com os
homens de Manuel Lopes em 1675, ou investindo diretamente sobre os brancos,
corno na entrada tríplice de Jácome Bezerra (1672), em que a coluna procedente
de Alagoas foi completamente destroçada.
As fortificações se
aperfeiçoaram de tal forma que, no assalto final de 1694, o poderoso exército
comandado por Domingos Jorge Velho deparou, estupefato, com uma
"cerca" tríplice de 5 434 metros de comprimento, com guaritas e
redutos, protegida por uma intricada "tranqueira" de vegetação, fojos
e estrepes.
A artilharia empregada contra a
cerca não foi capaz de abrir nela uma brecha suficiente para a penetração.
A Tregua
A luta contra os palmarinos,
necessidade objetiva do poder colonial, era, no entanto um peso excessivo para
os senhores de terras que a ela forneciam apoio. As tropas requisitavam das
vilas e seus moradores muitos mantimentos, munição, escravos para transporte,
dinheiro para soldos de uma parte dos combatentes, etc.
Embora a destruição dos
Palmares fosse de seu interesse, como um todo, muito dos proprietários, como
vimos, estabelecia formas de convivência com os quilombolas, que os deixavam em paz. Assim, estes
colonos viam a luta como tarefa das autoridades, encarregadas da manutenção do
sistema, e contribuíam contrariados com seus bens para a custosa guerra.
A situação se agravava com a
crise do açúcar no mercado internacional, que deixava em dificuldades os
produtores, num quadro de aumento de impostos, como aquele causado pela
necessidade de pagar o dote à rainha da Inglaterra, conseqüência dos acordos de
paz posteriores à derrota holandesa.
Nos anos subseqüentes, vários
relatos de governadores fizeram-se porta-vozes das queixas dos habitantes de
Porto Calvo, Serinhaém, Alagoas e outras vilas próximas; em 1686, o Governador
Souto Maior reclamou à Coroa que "estes povos têm suprido das suas
fazendas mais do que lhes era possível, e não é justo que assistam para esta
empresa (contra o quilombo) com mais do que têm”.Com dois engenhos de Porto
Calvo completamente destruídos, seus moradores apelavam através da Câmara para
a "piedade" de Sua Majestade.
A Coroa, porém, se ressentia
bastante de inúmeros problemas financeiros, no quadro de uma grave crise
comercial, para poder custear completamente as expedições.
Em 1694, Caetano de Melo e
Castro afirmava que a guerra dos Palmares havia custado, perto de 400 mil
cruzados da Real Fazenda, e aos moradores e povo mais de um milhão. Entre as
queixas de Porto Calvo, constava a de que, para pagar os impostos novos exigidos
por Lisboa, os proprietários "vieram à praça arrematar-se as jóias do
ornato de suas mulheres".
Além disso, nos anos 1686-87
grassou em Pernambuco terrível epidemia, conhecida como
"mal-de-bicho", que debilitou ainda mais os brancos, ao mesmo tempo
em que as revoltas de índios na região do Assu carreavam homens e recursos. Era
necessário um alívio da situação, e a idéia de uma trégua com os Palmares
cresceu entre as autoridades, era necessária, porém, uma vitória parcial que
fortalecesse a posição do poder branco para o caso de uma negociação com a
chefia quilombola.
Para isso foi chamado Fernão
Carrilho, sertanista experiente e hábil lutador contra núcleos de negros e
índios na selva, contando também com o "background" de ter reduzido
dois quilombos no Sergipe, a mando do governador-geral do Brasil. O Capitão fez
uma primeira tentativa inútil em 1676 contra os rebeldes, sofrendo com as
dificuldades financeiras das vilas que deviam financiá-lo.
Em 1677, porém, o capitão
conseguiu reunir recursos suficientes e partiu de Porto Calvo, atacando logo o
mocambo de Aqualtune, mãe do rei Ganga-Zumba.
Surpreendidos, os negros se
retiraram para um novo agrupamento em Subupira, pondo em ação a sua tática de
movimentos; mas Fernão não desistiu e, demonstrando tirocínio militar, evitou
lançar suas forças em conjunto contra os negros, preferindo pequenos ataques
enquanto esperava reforços.
Assim que estes chegaram,
sitiou o grande mocambo do Amaro (mais de mil casas), com grande sucesso, pondo
em debandada
Ganga-Zumba.
No conjunto da campanha,
Carrilho aprisionou dois filhos do rei, Zambi e Acaiene, além de chefes de
mocambo como Acaiúba e Ganga-Muíça, junto com dezenas de negros que foram
distribuídos entre os cabos da tropa.
O relativo enfraquecimento do
quilombo permitiu ao capitão oferecer, através de dois prisioneiros
importantes, uma suspensão das hostilidades ao rei Ganga-Zumba, com a condição
de que os palmarinos depusessem as armas.
A oferta dividiu o quilombo.
Embora Ganga-Zumba tendesse a aceitá-la, preocupado com as perdas humanas e com
a possibilidade de aproveitar a paz para refazer-se, ao que parece muito dos
chefes mais jovem, como seu sobrinho Zumbi, percebendo o caráter
irreconciliável da luta entre senhores e escravos, se opunham.
O irmão do rei, Gana-Zona,
capturado pelos brancos, era favorável à iniciativa. Triunfando momentaneamente
a opinião do chefe supremo, foi mandada uma "embaixada" a Recife,
acompanhada de um alferes que tinha vindo renovar os apelos à pacificação.
A chegada a Recife, em 18 de
junho de 1678, dos negros aquilombados, causou grande alvoroço.
Suados pela caminhada, mal
vestidos e cabisbaixos, os quilombolas temidos vinham resignar-se perante o
Governador Aires de Souza e Castro, que os recebeu condignamente. Afinal,
tratava-se de simples negros, a quem a opinião dos proprietários escravistas
jamais imaginara dispensar atenção.
Souza e Castro, percebendo a
importância política do evento, ouviu atentamente as reivindicações rebeldes
para se chegar a um acordo. Tanto que, uma vez concretizado este, muitos dos
brancos não acreditaram, pelo caráter concessivo dos seus termos. Os
palmarinos, contrariando todas as diretrizes do sistema colonial, teriam
direito à delimitação de uma área para viver em liberdade, bem como ao plantio,
comércio e trato com os brancos, sem o fisco real, desde que se desfizessem de
seu equipamento militar. Se alguns brancos não viram com bons olhos o acordo,
os quilombolas mais radicais o repudiaram inteiramente.
Zumbi, chefiando o mocambo do
Cucaú, continuou a fazer incursões destinadas a libertar mais escravos, ao
mesmo tempo em que pequenos grupos de brancos persistiam na apreensão de
quilombolas surpreendidos nos caminhos da mata.
O governo, assim que ficou
ciente da rebeldia do Cucaú, organizou a expedição de Gonçalo Moreira para
destruí-lo. Nesse meio tempo, porém, Ganga-Zumba morrera envenenado, e Zumbi
assumira o controle total dos palmarinos. Assim, quando Gonçalo atacou o
mocambo rebelde, prendendo alguns chefes, como João Mulato e Canhonga, Zumbi
não se encontrava mais no reduto, onde só haviam ficado 200 homens, e se
internara na mata para organizar as novas defesas. Para os brancos a fase
seguinte da luta seria uma das mais terríveis, a ponto de os colonos mandarem
por várias vezes Gana-Zona a negociar sem sucesso a rendição do sucessor de
Ganga-Zumba e de propor nova trégua em 1685, rejeitada pelo Conselho
Ultramarino. Por bastante tempo ainda, Palmares resistiria.
O Ataque Final
Para a submissão final do
quilombo, o poder pernambucano não seria suficiente. Resolveu-se contratar o
paulista Domingos Jorge Velho, verdadeiro especialista no massacre de raças
submetidas ao colonialismo.
Sertanismo de Contrato
Domingos Jorge Velho
vinculava-se a uma particular atividade, muito comum no Brasil seiscentista como
extensão das "bandeiras de apresamento”: o massacre e a submissão de
grupos indígenas, contratados por autoridades do Nordeste, executados por
paulistas experientes no ramo e eufemisticamente chamados pela historiografia
de "sertanismo de contrato".
Desde os tempos de 1670,
Domingos e seus capangas e índios armados combatiam no Piauí os tabajaras,
oroazes e cupinharões, quando uma carta de 1685 do governador pernambucano
Souto Maior o convidou para exterminar os Palmares.
Depois de uma extensa marcha até
às proximidades do quilombo, a tropa paulista recebeu uma contra-ordem do
governador-geral do Brasil, Matias da Cunha, mandando-os regressar ao norte,
para combater os índios janduins que se rebelavam na região do Assu.
Só em 1687 um emissário de
Jorge Velho, o padre carmelita Cristóvão de Mendonça, foi a Pernambuco negociar
os termos da sua participação na guerra palmarina, mas o acordo só foi aprovado
em 1691 pelo novo governador, Marquês de Montebelo. Depois de esmagar os
janduíns, perdendo muitos homens, já com o título de mestre-de-campo, o chefe
paulista dirigiu-se para os Palmares, aonde chegou em 1692.
O paulista Cardoso de Almeida,
diante da ameaça de novas rebeliões índias, foi contratado para seu lugar. Sua
tropa contava com quase mil homens, na sua maioria (cerca de 800) índios
armados.
Os paulistas faziam jus ao
exemplo de seu chefe, homem violento e cruel, detestado até pelos senhores de
terra que dele necessitavam.
O bispo de Pernambuco dizia
dele, em 1697: Este homem é um dos maiores selvagens com que tenho topado...
nem se diferencia do mais bárbaro tapuia mais que em dizer que é cristão, e não
obstante o haver-se casado de pouco, lhe assistem sete índias concubinas tendo
sido a sua vida, desde que teve uso da razão, - se é que a teve, porque, se
assim foi, de sorte a perdeu que entendo a não achará com facilidade, - até o
presente, andar metido pelos matos à caça de índios, e de índias, estas para o
exercício das suas torpezas, e aqueles para o granjeio de seus interesses.
Seus homens roubavam à larga os
moradores das vilas por onde passavam, provocando inúmeras queixas, mas a
violência maior era para com os índios, mesmo aqueles que viviam em paz com os
brancos e que eram deixados assim pelas autoridades.
Certa vez, Domingos Jorge Velho
assassinou duzentos indígenas, cortando-lhes as cabeças, exclusivamente porque
estes se recusaram a acompanhá-lo na luta contra os Palmares.
A luta contra os negros
rebeldes atraía os paulistas porque também oferecia alguns aspectos das
vantagens do "sertanismo de contrato", na medida em que
tradicionalmente as "entradas" capturavam os negros para venda,
algumas vezes até com isenção dos quintos reais. Além disso, havia as ricas
terras palmarinas, que mesmo antes da destruição do quilombo eram objeto de
acirradas disputas.
O grupo de Jorge Velho fez
acordos, ou "Capitulações", com o Governador Souto Maior, ratificados
depois pelo Marquês de Montebelo, que lhe concediam amplos direitos, como o
recebimento de munições, armas, mantimentos regulares, isenção de impostos
sobre venda dos negros apreendidos, terras de sesmaria na região da Paraíba, e
"perdão para quaisquer crimes anteriores", de que eles precisavam
bastante.
Em dezembro de 1692, assim que
chegaram aos Palmares, os paulistas se atiraram galhardamente sobre os
mocambos, contando derrotá-los facilmente.
Não esperavam a resistência
violenta e aperfeiçoada dos homens de Zumbi, e não conheciam perfeitamente o
terreno íngreme. Apesar de reforçados por uma tropa de moradores alagoanos,
eles não conseguiram vencer a surpreendente primeira "cerca",
edificada a alguns quilômetros do antigo Macaco.
O ataque fracassou
redondamente, fazendo fugir em debandada os homens de Alagoas e desarticulando
completamente o esquema ofensivo do mestre-de-campo, desamparados e
desmuniciados, "muito destroçados de fomes e marchas", os paulistas
voltaram a Porto Calvo sentindo na garganta o sabor desconhecido de uma derrota
violenta diante de "simples negros".
Em Porto Calvo, seu
comportamento violento e desregrado valeu-lhes a hostilidade dos moradores, que
com muito custo lhes arranjavam comida. A demora na chegada de munições fê-los
ficar dez meses inativos, de janeiro a novembro de 1693, o que facilitou a debandada
de mais alguns homens.
Com isto, e com as baixas da
derrota junto ao quilombo, a gente de Domingos Jorge Velho ficou reduzida a 600
índios e 45 brancos. Quando chegaram as munições, o mestre-de-campo resolveu
seguir assim mesmo para os Palmares, mas a incrível "cerca tríplice"
do novo Macaco, na serra da Barriga, fê-lo desistir logo ao primeiro embate.
Nos dois meses seguintes,
Domingos permaneceu acampado nas redondezas, enquanto providenciava poderosos
reforços, recrutando homens e novos agrupamentos regulares em todo Pernambuco e
vilas alagoanas. Ao mesmo tempo, valeu-se de um hediondo expediente para
enfraquecer os palmarinos: vestiu alguns negros capturados com roupas de
doentes e pestilentos, permitindo-lhes fugir para o reduto, espalhando ali
moléstias contagiosas.
Em janeiro de 1694, chegaram os
enormes reforços, carregando inclusive peças de artilharia, comandados por
Zenóbio Accioly de Vasconcelos, Sebastião Dias e Bernardo Vieira de Melo.
O conjunto dos atacantes era
agora bem maior em número e muito mais armado, chegando a quase três mil
homens. Entretanto, a "cerca" de mais de cinco mil metros de mocambo,
com todas as suas fortificações, situada em terreno escarpado, resistia firme
ao sítio, que durou mais de 22 dias.
Disse depois Domingos Jorge
Velho em carta ao Rei,
“Eram os exteriores tão cheios
de estrepes ocultos, e de fojos cheios deles, de todas as medidas, uns de pés,
outros de virilhas, outros de garganta, que era absolutamente impossível chegar
alguém à dita cerca toda ao redor... e por ser o lugar muito escarpado, mal
aparecia um soldado na extrema da estreparia para especular, e tirar algum
estrepe, que era pescado na cerca; nem lhes era possível fazerem aproches, que
a espessura e ligame da raizama do mato era tanta que não dera lugar a cavar”.
“A artilharia, por esses
motivos, não adiantou muito”.
Assalto Final
Desde muitos anos antes, Zumbi
era muito temido pelos brancos, que consideravam os seus companheiros próximos
como "a melhor gente para combate". Em 1675, o Capitão Gonçalo
Moreira chamava-o de "general-das-armas" do quilombo. Durante 22
dias, até à data de 6 de fevereiro de 1694, Zumbi comandava vigorosamente seus
soldados sitiados no Macaco, repelindo vários ataques violentos.
Mas os brancos, além de sua
superioridade numérica, dispunham da preciosa munição que os quilombolas tinham
em pequena quantidade. Enquanto o inimigo era mantido à distância pelos
estrepes, Zumbi economizava. Mas nos últimos dias de janeiro os comandantes do
ataque puseram em execução uma tática mais eficaz de aproximação: passaram a
construir cercas de madeira paralelas à "cerca" defensiva, que lhes
permitiam limpar o terreno e chegar mais perto.
Nos dias 23 e 29 foram
desfechados poderosos ataques a partir dessas fortificações recentes, o que
exigiu um grande gasto de pólvora dos quilombolas. Finalmente, ao começar o mês
de fevereiro, Domingos Jorge Velho teve a idéia de construir uma cerca oblíqua
à fortificação rebelde, que aproximou rapidamente seus homens do objetivo.
Zumbi, ao perceber o êxito da
manobra, sentiu aproximar-se o fim. Estava sem munição, com os brancos nas suas
barbas.
Nessa madrugada, resolveu
tentar a retirada estratégica. Silenciosamente, centenas de negros se
esgueiraram para fora da paliçada, mas não foram felizes: as sentinelas
inimigas perceberam seus movimentos e a tropa atacou maciçamente. Apanhados
pelas costas, à beira de um penhasco, os palmarinos perderam mais de 400 homens
nas primeiras horas da madrugada, deixando inúmeros feridos e prisioneiros, em
uma fuga precipitada que os desarticulou definitivamente.
As operações posteriores de
Domingos Jorge Velho, além de massacrar e assassinar centenas de negros que não
puderam fugir do Macaco após sua tomada definitiva, no dia 6, impossibilitaram
a plena rearticulação dos rebeldes. Depois de mais de 65 anos de luta, o
glorioso reduto da liberdade foi derrotado.
Zumbi, fugitivo após o combate
do dia 6 de fevereiro, jamais se entregou, realizando nos meses seguintes
algumas operações de guerrilha com seus homens. Enquanto os brancos se
digladiavam violentamente pela propriedade das terras conquistadas, em uma
verdadeira "nova" guerra, ele permanecia internado na mata que tão
bem conhecia. Mas os seus demais mocambos não puderam resistir à chacina
entusiástica perpetrada pelos vitoriosos. Em novembro de 1695, um mulato seu
auxiliar, violentamente torturado pelo mestre-de-campo paulista, revelou seu
esconderijo.
No dia 20 desse mês,
surpreendido por Domingos Jorge Velho, Zumbi ainda resistiu, com apenas 20
homens.
Em algumas horas, foram todos
mortos.
O rei negro, combatendo até ao
fim em uma luta que sabia irreconciliável, e que ameaçou seriamente a ordem
colonial, foi decapitado. Espetada em um poste da praça principal de Recife, à
vista dos negros carregadores em sua faina interminável, sua cabeça aguardou
com trágica serenidade.
Na mágica obscuridade de seus
rituais ocultos, os negros de Pernambuco e Alagoas imortalizaram o grande líder.